quinta-feira, 31 de março de 2005

Silêncio enganador

Um silêncio estranho e surpreendente envolve a política portuguesa. Nem o governo espirra nem a oposição faz ruídos. Para quem seguiu de perto a sôfrega campanha política contra o governo de Durão Barroso que redobrou de agressividade com a chegada de Santana Lopes a Primeiro-Ministro, seguindo-se a actividade frenética da oposição, que contou com o apoio do presidente da República ao dissolver a Assembleia, até as eleições antecipadas de 20 de Fevereiro, a existência de um “novo” governo na vida portuguesa nem parece existir. Se há governo, deve estar metido num santuário de culto enigmático.
Que anda a fazer e que mistérios envolvem o governo socialista liderado por José Sócrates? Alguém sabe? Se afinal os socialistas tinham já todo o programa de governo preparado para o accionarem assim que chegassem ao poder, por que razão agora todo este silêncio quando diziam os socialistas que havia tanta coisa mal no país e que era urgente mudar.
Exigiu a oposição, nomeadamente o PS, que o governo de coligação PSD/PP introduzisse, sem demoras, as reformas anunciadas, pressionando a toda a hora e em diversas frentes, principalmente na comunicação social, para que o governo anterior nem tivesse tempo para respirar. Com o actual governo as pressas deixaram de existir, as reformas ficaram adiadas, os pontos críticos evaporaram-se e não há pressões nem oposições sobre nada.
Que se passa na política portuguesa desde que o PS chegou ao governo?
O Presidente da República PS, (agora) cala-se; O Primeiro-Ministro, Ministros e Secretários de Estado PS’s, nada dizem; O presidente da Assembleia da República PS, não fala. O que se estará a passar? Nem as vozes sempre contestatárias do PCP e do BE, que barafustam por tudo e por anda, não se fazem ouvir agora.
Será por causa do Carnaval antecipado, da Páscoa em finais de Março, da chuva que não caiu em quantidade suficiente para encher as barragens e as albufeiras? De António Vitorino não querer cargo nenhum no governo ou de António Guterres desejar um Alto Cargo internacional?
Noutras alturas, a comunicação social (ou sucial) não descansava enquanto não descobrisse o que se estaria a passar com o governo. Agora jaz num perigoso silêncio gerido, ao que se ouve dizer, pelos altos interesses de um capitalismo selvagem que não olha a meios para proteger mordomias instaladas. Esta atitude parcial e vesga da generalidade da comunicação social, (a do costume, sempre zelosa pela manutenção do caduco regime vigente), não é nada salutar e deixa o país inquieto. Não é de crer que seja desprezo por este governo, pelo caso Casa Pia, pela qualidade do ensino ou pelo sistema da saúde. São mistérios a mais. A única coisinha que escapou para a opinião pública foi a do ministro das Finanças dizer que os impostos seriam inevitavelmente aumentados e o Primeiro-Ministro irritado vir dizer que, não senhor, os impostos não vão ser aumentados. Pumba!
Tudo isto é estranho. Se dantes os governantes falavam de mais e eram constantemente assediados e acossados para dizerem coisas, muitas das quais que pouco ou nada interessavam aos portugueses, desde que o PS chegou ao poder criou-se uma capa de ferro que não permite sons nem luzes. Anda tudo às escuras.
Os portugueses deixaram de saber se o governo está a governar bem ou mal. Uma outra pequena “coisa”que deixaram escapar é a de que o governo socialista está a criar uma central de informação para veicular todas as notícias do governo. Exactamente o mesmo procedimento que o governo anterior (PSD/PP) teve a ideia de criar e que os socialistas criticaram forte e feio, ao ponto de dizerem que o governo o que queria era esconder a realidade do país, filtrando a informação.
Ainda não houve nada de novo. Jorge Sampaio ao aprovar as eleições para Fevereiro (mês do Carnaval) terá tido as suas razões. Mês de folia, vindo a seguir o arranque das férias, o aproximar de mais uma ano lectivo, os hospitais privados a servir como escudo de defesa no caso de ataques ao sistema da saúde, as lutas dos estudantes nunca são feitos à beira do fim de mais um ano escolar, as centrais sindicais brigam com as entidades patronais sobre o novo Código de Trabalho, o Pacto de Estabilidade de Crescimento vem de trás, ou seja, há muita guerra cá fora enquanto o governo PS mantém-se na toca, livre de críticas e do mau tempo.
Até lá (data das próximas eleições), os portugueses ficam remetidos ao silêncio sem saberem se este governo PS presta ou não presta, se tem ou não bons ministros. O estar calado é um meio de defesa próprio dos indecisos ou dos que não querem falar verdade. Não quando se fala de um governo que tem obrigações para com os cidadãos, que tem o dever de informar claramente.
Governar no silêncio é não ter nada para dizer e quando um governo tem esta postura é que algo está mal, muito mal. O silêncio é enganador.

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