quinta-feira, 13 de maio de 2004

Guerras da hipocrisia e da estupidez

Não gosto de falar da guerra e faço por esquecer os momentos que vivi na guerra, em Angola. Trazer à memória as imagens bélicas, das mortandades, das emboscadas, das minas pessoais, das tabancas queimadas, cheiro a queimado, corpos destroçados estendidos pelo chão, no meio do capim, mulheres e crianças a chorar, homens como eu que estavam ali sem saberem bem porque e na incerteza se amanhã voltariam a ver a luz do sol. Falar da guerra é como falar do findo do mundo, onde tudo pode acontecer.
Acredito que como eu milhares de portugueses que combateram em África sintam o mesmo desprezo, a mesma solidão sobre aquele grande cemitério que todas as guerras apresentam. Não acredito em heróis da guerra e considero uma autêntica hipocrisia condecorar uns e esquecer outros.
Não suporto o exibicionismo militar e pior ainda acho primário condecorar militares que andaram simplesmente a passear com cravos no cano da G3, nos dias de Abril de 1974. Quando se atribui uma condecoração a um militar por ter participado na operação destinada a apear o governo, em ambiente de exuberância popular, todos os militares que foram obrigados a combater nas matas africanas, contra inimigos poderosos e treinados para matar, mereciam as mais altas condecorações.
Todos sabemos que a guerra é estúpida, mortal, impiedosa e que há momentos em que ou matamos ou somos mortos. Naqueles aterradores instantes de combate cerrado, com as metralhadores e as armas automáticas a queimar todos os cartuchos, as granadas a rebentar, com tudo a funcionar à mais alta tensão, cercados pelo inimigo, todas as nossas forças humanas reagem como último momento das nossas vidas. Naqueles momentos de minutos que parecem horas todos são soldados rasos, todos defendem todos, todos são iguais. Não há heróis, nem actos de bravura nem de coragem, há uma reacção e força colectiva inimagináveis.
Quantos crimes cometeram os militares nos campos de batalha? Alguém saberá dizer o que faziam os militares, de qualquer exército de qualquer país do mundo, aos inimigos que capturavam, ou que faziam os inimigos aos militares quando os capturavam? Sabem os portugueses quantos militares foram mortos em África e como foram mortos? Será que há registo de quantos mortos ocorreram na população civil, nas forças inimigas, de populações ceifadas por balas ou esmagadas por bombas?. Sabem os madeirenses quantos civis foram mortos quando militares vindos de Lisboa dispararam sobre tudo o que se mexia nas encostas de Machico, no Abril da Revolução da Madeira?
É inquietante, pois é! É por tudo isto e muito mais que não gosto da falar da guerra. Nem reconheço autoridade para falar da guerra a quem nunca esteve na guerra. Dizem disparates, comentam levianamente, tiram ilações incrédulas, tudo de forma tão irresponsável como se a guerra fosse um jogo de futebol ou uma hilariante conversa de café. Por favor não falem da guerra, não faço juízos da guerra, se nunca lá estiveram.
Os episódios que se passaram no Iraque bem poderão ser umas gotas do que se passa em todas as guerras. Em todas as guerras cometem-se barbaridades que quem nunca lá esteve, por muito que queira, jamais consegue chegar à realidade. Os militares americanos e ingleses estão a ser estupidamente acusados por uma classe de mancebos que, na sua grande maioria, nunca esteviram no teatro da guerra nem nunca viveram os momentos de vida ou de morte.
Não sei dizer se a destruição do World Trade Center, no dia 11 de Março de 2001, que matou milhares de civis, está na base do ataque americano ao Iraque. Não sei dizer. Mas de certeza que se algo semelhante tivesse acontecido nalgum país europeu ou mesmo em Portugal, não íamos ficar simplesmente vergados aos lamentos. O governo dos EUA fez e está a fazer aquilo que a maioria dos americanos pediram e pedem. Não se fique com a ideia que o presidente dos EUA tomou a liberdade isoladamente de invadir o Iraque ou que o povo americano alguma vez iria perdoar o presidente de deixar-se ficar perante o ataque que a América sofreu.
A “guerra santa” dos muçulmanos contra o acidente vem dos primeiros anos da humanidade. O Médio Oriente sempre foi palco de conflitos, muitos antes de haver a nação americana. Atribuir aos EUA a culpa das guerras nesta zona do globo é estar de má fé, ser ignorante ou tomar partido da ideologia que combate a nação mais rica do mundo. Na guerra do Vietnam, os EUA movimentaram 8 milhões 744 mil militares, registaram-se 58.135 mortos e foram gastos cerca de 150 mil milhões de dólares.
Estes números são, na verdade, impressionantes, mas ainda assim nada que se compare aos cerca de 100 milhões de pessoas mortas nas guerras do século passado. Na I guerra mundial, cerca de 60 % dos mortos eram militares, enquanto que na II guerra mundial mais de 50 % dos mortos eram civis.
Obviamente que estamos em presença de autênticas barbaridades. No entanto, ao consultarmos o observatório do Banco Mundial, vamos verificar que, todos os anos, morrem cerca de 700 mil pessoas em desastres de viação, mais de 10 milhões de feridos e que, devido a todos estes acidentes na estrada, são gastos, por ano, mais de 53 mil milhões de euros. Na Europa civilizada, à qual pertencemos, morrem por ano nas estradas, em média, 42 mil pessoas e mais de 1,6 milhões ficam feridos. E, neste quadro negro da viação, Portugal é quem lidera nesta “matança” nas estradas.
A mensagem que gostaríamos de aqui deixar era a seguinte: Por favor não falem da guerra, esqueçam. Tomem mais atenção à guerra ou guerras estúpidas que eventualmente podem andar à vossa volta e que ferem e provocam mazelas, nalguns casos, bem mais graves que as deixadas pela guerra. Os heróis destas guerras são tão ou mais estúpidos e ignorantes que os condecorados das guerras perdidas.