quinta-feira, 17 de março de 2005

Ilhéus na presidência do Parlamento

Pela primeira vez, as Regiões Autónomas têm na presidência e na vice-presidência da Assembleia da República dois ilhéus. Um dos Açores, Jaime Gama, socialista, que ocupa o cargo de presidente e um da Madeira, Guilherme Silva, social-democrata, no cargo de vice-presidente.
Não vamos tecer comentários que tenha outra interpretação que não seja o facto em si. É pelo menos inédito, nunca tinha acontecido em 95 anos, desde que os republicanos subiram ao poder, a 5 de Outubro de 1910.
Estes cargos no mais alto órgão da República (Parlamento Nacional) têm o mérito de serem eleitos pelos deputados, representantes legítimos dos eleitores, dos portugueses em geral. Têm a intervenção mais próxima dos cidadãos e do Parlamento e a eficiência das respectivas lideranças podem condicionar em muito a vida do país.
O prestígio parlamentar passa muito pela qualidade, bondade e eficácia das leis a aprovar mas também pela idoneidade e capacidade de oratória dos deputados e da forma como são moderados os debates.
Na legislatura anterior, a presidente do Parlamento da República foi exercida por João Bosco Mota Amaral, do PSD, ex-presidente do Governo Regional dos Açores, natural de Ponta Delgada, capital da ilha de São Miguel.
Terá sido, se a memória não nos falha, o primeiro ilhéu a ocupar o cargo de presidente da Assembleia da República.
Porém, e é bom que se relembre que os dois primeiros presidentes da República foram açorianos, Manuel Arriaga e Teófilo de Braga, e que a Madeira já teve Ministros em cargos do Governo da República.
Os critérios para a eleição do cargo de presidente e vice-presidente do Parlamento nacional têm a ver com os partidos e com a maior ou menor representatividade parlamentar.
Na presente legislatura, que há pouco começou, está novamente na presidência do Parlamento um açoriano, desta feita socialista, tal como se verificou com o anterior presidente, então social-democrata. Se não há motivo para fazer considerações extras sobre estes factos, também é verdade que de entre mais de duas centenas de parlamentares, mais de 95 % do Continente, colocar-se nas cadeiras da presidência da Assembleia da República dois ilhéus, não se pode afirmar que sejam simplesmente uma coincidência. A ilação a tirar é certamente que as escolhas (pois é disso que se trata), recaíram em personalidades cujo mérito e prestígio é reconhecido pelas direcções dos respectivos partidos políticos.
Por razões estruturantes do sistema educativo em Portugal, a vida parlamentar portuguesa é pouco divulgada, tem pouca visibilidade na opinião pública, os seus poderes são pouco conhecidos, os trabalhos dos deputados ficam quase que entre-portas e, por razões que têm a ver com a maneira de estar dos portugueses face às instituições políticas nacionais, não sabemos o que se passa e como tudo acontece, mas estamos sempre prontos a fazer julgamentos, a qualquer nível.
A Constituição da República (a precisar urgentemente de revisão, condição indispensável para que o País se modernize e progrida), é a “bíblia” política do ordenamento do Pais, mas será que os portugueses, em geral, já alguma vez consultaram a Constituição? Certamente que não. Para quê? São atitudes ancestrais, de saber o não saber, da maçada que é consultar a Constituição da República, mesmo que seja a título de curiosidade.
Naturalmente que a Assembleia da República não só produz, discute e aprova ou reprova alterações às leis em vigor como debate, aprova ou não nova legislação que, uma vez aprovada, vai obrigar a todos a cumprir com o que a lei determina.
Temos para nós que a vida parlamentar será cativante sob o ponte de vista da intervenção e do debate político, quando os deputados mostram toda a sua capacidade de defender propostas e de argumentar o porquê das suas rejeições sobre determinadas medidas.
Por tudo isto e por tudo quanto representa para o país, a actividade e decisões da Assembleia da República, das aprovações e reprovações, é que não podemos deixar passar em claro o facto de, pela primeira vez, ver na presidência e na vice-presidência do Parlamento nacional dois ilhéus, ainda que militantes de partidos diferentes (PS e PSD) e de regiões diferentes (Açores e Madeira).

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