quinta-feira, 2 de setembro de 2004

Malta e Madeira na vida europeia

Os governos centrais de Portugal sempre relegaram para um segundo plano os territórios e os portugueses situados fora do rectângulo continental europeu. É bem de ver o que se passou com os territórios de além mar, na Ásia, África, América do Sul e com as ilhas Adjacentes. A luta pela independência não nasceu por caprichos ou ambições desmedidas mas por motivos que o governo central, em Lisboa, olvidava de forma sistemática, grosseira e prepotente.
Os povos portugueses africanos, os que melhor conhecemos, tinham, regra geral, um bom relacionamento de amizade com os “brancos” que lá viviam. A revolução não era coisa de antipatia “preto-branco ou vice-versa”, era sim contra a discriminação que o governo central português imponha. O racismo que alguém tentou argumentar como causa para a guerra pela independência dos povos africanos é o mesmo (racismo) que sempre existiu dos madeirenses e açorianos para com o governo central: o tratamento desigual entre continentais e ilhéus.
Pelo percurso histórico vê-se lógica e claramente que a Madeira não é bem vista pelos sucessivos governos da República, por certas forças políticas que estão em Lisboa. Eles nascem e caminham por vias que lhes dão todos os acessos, exceptuando algumas aldeias também esquecidas no interior continental, ao passo que os madeirenses têm que viver na ilha e sem avenidas para o exterior, que não seja o avião com os custos elevados. Temos a barreira do mar, os continentais já nem fronteiras têm na passagem para outros países da União Europeia.
Nem os governos centrais nem os políticos que estiveram directamente responsáveis pela independência dos territórios portugueses em África alguma vez esclareceram o porquê de terem mantido a Madeira e os Açores sob a soberania portuguesa, quando deram a independência a ilhas com maiores dificuldades para viverem como país. Falamos de São Tomé e Príncipe, bem como de Cabo Verde. Timor é outro exemplo, ainda que tenha chegado à independência por meios muito sacrificadores.
É de admitir que um dia caminhar-se-á para a independência da Madeira, de uma forma pacífica e perfeitamente legitimada. A consulta do mapa actual da União Europeia mais reforça esta ideia, vista à luz da evolução da Europa e do mundo.
A abordagem desta questão suscita, quase sempre, as mais variadas controvérsias. Alguns invocam questões históricas (por vezes convém olhar para o próprio umbigo), rácicas, ideológicas e outras (sempre à mão e do modo que mais convém). Na tese de alguns, certamente que os Estados Unidos da América, não seria ainda um país independente e soberano.


A ilha de Malta, que ascendeu à independência a 8 de Setembro de 1964 (há 40 anos), é hoje um Estado-membro da União Europeia com direitos e deveres iguais aos que são exigidos a Portugal, Alemanha, Reino Unido, enfim, a todos os restantes 24 países comunitários.
Malta, que tem um território e um PIB muito idêntico ao da Madeira, está a sentar-se à mesa da “primeira divisão europeia”, a negociar e a apresentar os seus projectos directamente à Comissão Europeia e a outras instâncias comunitárias, tirando todo o melhor proveito possível para o seu desenvolvimento. Preconiza-se obviamente que a Ilha da Malta venha a obter apoios da UE substancialmente superiores aos que a Ilha da Madeira recebeu até hoje com tendência para vir a receber ainda menos a partir do próximo Quadro Comunitário de Apoio.
O governo madeirense não pode negociar directamente com Bruxelas, tudo tem que passar pelo governo central, com todos os atrasos, interesses e desinteresses que possam surgir, cujo empenho pelos objectivos pretendidos pela região são sempre difíceis de confirmar. Não é duvidar, mas nestas como noutras situações manda a prudência que façamos como São Tomé “ver para crer”. Com o governo maltês esta “dúvida” não existe e o poder reivindicativo é extremamente mais forte e mais recompensador.
Claro é que a Madeira enquanto for uma região de Portugal não vai ter assento às reuniões destinadas apenas aos Estados-membros, como passou a ter a ilha de Malta, a partir de 1 de Maio último, ficando a nossa região prejudicada, por muitos esforços que o governo central possa fazer.
Quando as coisas chegam a um determinado patamar há que questionar. Não se trata apenas de incompatibilidades a qualquer grau ou de deixar de ser ou não português. Estamos é perante uma realidade concreta. O governo central beneficia de determinados apoios comunitários por que tem ilhas, mas a Madeira não beneficia pelo facto se pertencer a um país com território continental. O governo da República reivindica e tem mais poderes junto da União Europeia porque apresenta as ilhas que tem no Atlântico.
Quando Portugal não pertencia à UE, a situação era bem diferente. Até 1 de Janeiro de 1986 (data da adesão) o país não tinha os direitos e deveres que passou a ter. Passados todos estes anos, e porque o alargamento da Comunidade Europeia apresenta-se como um processo irreversível, a manter-se a situação da Madeira, vai fazer com que haja uma perda de significativos apoios comunitários para o desenvolvimento regional.
Será que numa Europa imparável, faz assim tanto sentido deixar-se a Madeira de fora dos relações directas com a UE, ser seriamente prejudicada, só porque não é um Estado-membro? Terá Portugal no futuro condições para dar à Madeira aquilo que a UE garantidamente pode dar? Siga-se com atenção o que irá passar-se com a Ilha da Malta, nos próximos anos, para vermos as diferenças com a Ilha da Madeira. Hoje muito iguais, amanhã...

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