sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Um “Livro Negro” para as finanças

Um “Livro Negro” sobre as finanças portuguesas, onde também constem as “ofertas” aos ex- territórios portugueses a quem lhes foi “concedida” a independência e os “cortes” e estrangulamentos financeiros provocados aos orçamentos da Região Autónoma da Madeira, tem toda a oportunidade




Durante alguns anos foi moda a publicação de livros sobre o socialismo, o comunismo, o proletariado, as nacionalizações e desnacionalizações, as independências dos territórios portugueses no além-mar e ainda os específicos “livros brancos” sobre os mais variados temas que apontavam soluções para todos os problemas mas que, passando da teoria à prática, não deram resultados palpáveis. Talvez tenha chegado à altura de alguém empreender na escrita do “Livro Negro” das finanças portugueses desde 1974 até a presente data.
São publicados anualmente em Portugal cerca de 24 mil novos livros (novos títulos), a maioria dos quais será mais para alimentar o ego dos seu autores, porque leitores devem ter muito poucos, mas ainda não surgiu nas bancas um livro que abordasse com clareza e precisão as finanças dos portugueses, desde os orçamentos do Estado, dos fundos comunitários, das receitas e das despesas da administração pública, das riquezas e das falências. Estamos num país pobre mas que é também dos mais ricos, per capita, da União Europeia. O tal Portugal de contrastes que não se explica nem se escreve, vive-se ao sabor do que vai soprando no dia a dia.
Depois do 25 de Abril de 1974, a economia e as finanças portuguesas sempre foram abordadas com resquícios recalcados ao governo do Estado Novo. Salazar foi professor catedrático de economia e finanças, diz quem o conheceu que foi um docente insigne, mas como presidente do conselho de ministros (primeiro-ministro) foi forreta e politicamente pobre.
O Estado Novo aforrava todos os tostões e centavos, amealhava nos cofres do banco central centenas de barras de ouro. Era um governo com pé-de-meia, com um bom suporte financeiro, mas demasiado fechado e empobrecido socialmente que nunca promoveu grandes investimentos para a modernização global do país.
Quando se dá a mudança de regime, em 1974, Portugal era financeiramente dos países mais estáveis da Europa, apesar dos enormes prejuízos económicos (e sobretudo humanos) que sofreu com a guerra terrorista do ex-ultramar.
Um “Livro Negro” sobre a economia e as finanças portugueses está a fazer falta. Saber quem foi que fez o quê e porquê? As opções tomadas e que resultados obtidos. Depois daquela fase em que o FMI teve que intervir para evitar que Portugal caísse na bancarrota, era Mário Soares primeiro-ministro, os orçamentos do Estado nunca mais endireitaram. Passam os governos, passam os ministros das finanças, e o Estado continua a apresentar défices orçamentais.
Não fossem as privatizações levadas a cabo pelos sucessivos governos da República e Portugal estaria muito mais endividado.
Os governos centrais têm recorrido às privatizações como quem, em acto impotente de desespero, recorre à penhora dos seus bens para poder se salvar. A diferença entre a penhora privada e a privatização pública é que há sempre a possibilidade de, no primeiro caso, recuperar o que está penhorado, no segundo caso, é a perda irreversível do património.
Entre 1987 a 2005, as receitas que o Estado arrecadou com as privatizações ascenderam a cerca de 25 mil milhões de euros. Só em 1997 (há dez anos), com a alienação de empresas públicas, o Estado obteve 4,3 mil milhões de euros. Para este ano, o Governo socialista previu obter com as privatizações receitas da ordem dos 2,4 mil milhões de euros e para os próximos dois anos, o Governo espera arrecadar 1,3 mil milhões de euros. O Governo definiu a venda das participações na Galp Energia, EDP, Portucel e na Rede Eléctrica Nacional (REN), entre outras alienações.
O que se pode questionar perante esta “venda de património” é como funcionariam os governos sem estas colossais receitas? Vendem património que anteriores governos conseguiram edificar. Independentemente dos governos que investiram para que o Estado fosse dono de um património de reconhecida riqueza histórica, nalguns casos, a financeira, noutros casos. Admitindo-se que os anteriores governos fossem despesistas como os que se seguiram, em que águas de gestão navegariam os actuais comandantes da governação portuguesa?
As contas do Estado português raramente coincidem com os resultados preconizados no Orçamento para cada ano. Fica-se com a impressão que os orçamentos são mais fabricados à medida dos interesses do partido que está no governo do que planeado com o realismo e o rigor. Chega-se ao final de cada orçamento e vemos falhas de palmatória, com derrapagens e défices inexplicavelmente agravados de ano para ano. E tudo isto acontece sob um descarado desplante governamental que nunca é chamado à responsabilidade.
Põe-se o país nas agruras financeiras e os senhores governantes saem do governo como se nada tivessem a explicar aos portugueses, nem quaisquer culpas no cartório. A má governação, com a cobertura da má gestão, passou a ter escola em Portugal.
Desde há vários anos que os orçamentos do Estado têm sido cobertos pelas receitas das privatizações. Ou seja, os governos da República têm conseguido atenuar o défice orçamental com a venda de património. Esta venda de património do que é de “todos nós, portugueses”, sem qualquer explicação dos vendedores (governantes da República) só tem sido praticada pelo Governo central. Na Madeira, apesar dos muitos apertos financeiros ao longo dos anos, nunca o Governo Regional recorreu ao alienar de património.
A primeira ou primeiras privatizações na Região só há bem pouco tempo começaram a ser equacionadas, entre as quais a da participação do Governo na empresa Cimentos Madeira. Ainda assim esta alienação visa, tão só, colmatar os abusivos cortes nas transferências financeiras do OE para o Orçamento da Região. De resto, o Governo sempre geriu o orçamento da Região em função das receitas (próprias), nunca socorrendo-se da alienação de património como os governos da República têm usado e abusado para poderem tapar os buracos financeiros dos orçamentos.
Um “Livro Negro” sobre as finanças portuguesas, onde também constem as “ofertas” aos ex- territórios portugueses a quem lhes foi “concedida” a independência e os “cortes” e estrangulamentos financeiros provocados aos orçamentos da Região Autónoma da Madeira, tem toda a oportunidade. Escrito com uma linguagem ao alcance de todos, com gráficos de fácil leitura, esclarecendo mais do denunciando. Quase que podemos dizer que faz falta falar verdade sobre a economia e as finanças portuguesas, desde 1974 até hoje. Citando, inclusive, as privatizações que levaram património português para a posse de grupos estrangeiros.




PS : No relatório referente ao sector empresarial do Estado, ano 2006, os prejuízos das oito maiores empresas ascendiam a cerca de 700 milhões de euros (140 milhões de contos), constando entre outras a CP, Metro de Lisboa e do Porto, Refer, Carris e a RTP. Uma dívida colossal que deverá agravar-se este ano. É difícil entender um prejuízo desta dimensão quando o Governo tem vindo a aumentar os custos dos serviços prestados por estas empresas, alguns dos quais com taxas a serem cobradas muito acima do preço médio praticado pelos 27 Estados membros da União Europeia.

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