quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

Os défices de um velho candidato

O antigo presidente da República, Mário Soares, hoje na casa dos 80 anos de idade, vai estar na Madeira, neste fim de semana, para conviver com os apoiantes à sua velha-nova candidatura a Chefe de Estado. Muito provavelmente irá jantar com velhos amigos, falar das suas velhas peripécias de quando esteve no governo e na presidência da República, dar umas velhas lições de democracia, recordar os velhos tempos das coisas que todos gostam de ouvir, com mais uns acrescentos aqui e ali, exibir os louros e as medalhas do antigamente, mas ao mesmo tempo evitará ou irá ignorar as coisas menos boas que afectaram grandemente Portugal e, nalguns casos, com extrema gravidade, que tiveram a sua aprovação e participação activa.
O “velho” Soares, no bom sentido, é hoje, figurativamente, um rico Pai Natal, laico, bem da vida, com uma fortuna incalculável, cheio de histórias para contar aos netos e aos que não o conheceram quando andava pelas catacumbas do comunismo. São “idosos” como Soares que devemos dar especial atenção, não pelo que possa dizer sobre o futuro que não se revê no seu passado, mas pelas peripécias que cometeu sem que tivesse sido molestado. Só o facto de ter estado deportado no paraíso que era São Tomé e Príncipe é já um “castigo” de extraordinária valentia! Alguém imagina o que foi, um menino rico, estar deportado naquela ilha africana? Será que os leitores conhecem ou conheceram o campo de concentração, a prisão do Tarrafal, em Cabo Verde? Será que os heróis do combate político contra o antigo regime, que lutaram contra e foram obrigados a participar na guerra do ultramar, não foram heróis? Que foi feito deles? Onde estão? Quem os marginalizou ou os aniquilou?
Ouvir o “velho” Soares, com 80 anos, falar do futuro de Portugal, é como ouvir ruídos de fundo, sons monocórdios, é trazer à memória o “velho” Salazar que também pensava que os portugueses não tinham muitas e melhores alternativas. Salazar, que dizem que pouco viajou, nunca esteve preso, foi um brilhante docente universitário e morreu pobre. À medida que ia ficando mais velho, mais idoso, mais se convencia que Portugal precisava de ouvir a sua voz, dar atenção às suas opiniões. O “velho” Soares está a seguir as mesmas linhas da indispensabilidade de Salazar. A velhice é sempre respeitável mas obviamente que tem as suas limitações, o que nem todos conseguem reconhecê-las.
O “velho” Soares, antigo presidente da República, nesta sua visita à Madeira certamente que não irá falar da violenta descolonização de Angola, Moçambique e da Guiné, que contou com a sua total ajuda e deixou na miséria cerca de 700 mil portugueses que tiveram que fugir para o Continente e Ilhas, bem como para outras partes do mundo, muitos dos quais em condições sub-humanas. Milhares de portugueses perderam tudo, viram os seus bens serem destruídos, muitos familiares e amigos assassinados sem nada de mal terem feito, quando em Lisboa políticos socialistas e comunistas apoiavam os seus kamaradas em África que cometiam barbaridades nunca vistas, nem no tempo de Salazar. Se lhe restar alguma vergonha também não vai abordar a balela do “défice democrático” pois seria incómodo explicar porque se candidata de novo.
Soares sempre se apresentou como um político mais vítima que culpado. Nunca fala das derrotas nem das atitudes menos dignas que teve, como aconteceu no Parlamento Europeu quando quis ser presidente e foi derrotado. Evita abordar o porquê de ter sido alvo de críticas violentas e de tentativas de agressão na Marinha Grande e mais recentemente no norte do país. Não quer falar do défice democrático que propagandeou contra a Madeira porque não tem argumentos democraticamente válidos.
Em termos político-partidários, este ano, prestes a terminar, foi para a esquerda política portuguesa um andar de cócoras para satisfazer a ânsia do poder. O presidente da República entendeu destituir o governo de coligação PSD/PP para promover eleições antecipadas e obviamente dar de bandeja ao seu partido (PS) as rédeas do poder.
Nas eleições autárquicas, em data e com calendarização normal, a esquerda política não pode ter a ajuda do presidente da República e perdeu. Nesta altura estão a decorrer aos debates da pré-campanha para a eleição do novo presidente da República e a esquerda política, uma vez mais, anda com um apetite voraz para colocar na cadeira de Chefe de Estado alguém que seja das suas áreas ideológicas e partidárias.
Não estamos ao lado daqueles que muito facilmente vêem a público dizer que fulano é melhor que sicrano só porque tem um currículo diferente, esteve noutros pelouros ou que revela uma maior ou menor capacidade. A política e os políticos não devem ser vistos como tapetes rolantes por onde passam ou desfilam estrelas abonecadas.
Na presente corrida à presidência da República a esquerda política apresenta-se com quatro candidatos (Jerónimo de Sousa/PCP, Francisco Louça/BE, Manuel Alegre/PS e Mário Soares/PS). São quatro contra um, embora Cavaco Silva/PSD diga que se apresenta equidistante dos partidos. A esta hora, o “velhinho” Soares já deve estar sonolento, sem pachorra para ouvir os outros, à boa imagem do “velho” Salazar.

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