sábado, 15 de janeiro de 2005

Primeiras eleições democráticas no Iraque

Depois de tudo quanto se passou no Iraque, antes e após a intervenção militar dos EUA, o mundo tem os olhos fixos nas primeiras eleições democráticas a terem lugar no próximo domingo. Os iraquianos estão fartos da guerra, da ditadura, da vida encurralada e do poder brutal que o regime de Saddam Hussein chefiou durante anos. A paz naquele martirizado país é também a paz para o mundo dos que acreditam que a guerra não faz a paz mas, a história, confirma, também, que, por vezes, é preciso que se faça guerra para que a paz chegue.
Quando um povo vive espezinhado durante anos, forçado a um modo de vida sem poder falar nem observar, acaba por perde a sua própria dignidade, de não saber que direitos tem e de como proceder. Tudo o que faz é ditado por quem manda, pelos senhores do poder absoluto, em obediência a ordens emanadas sob forma totalitária. Um povo maltratado é um povo revoltado. Um povo que não pode falar é um povo que não vive, sobrevive.
O Iraque de Saddam era, numa outra dimensão, uma Cuba de Fidel Castro. A única diferença, era que uma maior classe de iraquianos vivia em palácios, em luxuosas casas, tinham grandes fortunas e podiam viajar pelo mundo, enquanto a grande maioria dos iraquianos viviam (e vivem) na extrema miséria, com habitações de terceiro mundo e sempre na dependência do poder. Em Cuba, as riquezas milionários não existem (ou se existem estão bem escondidas), mas os cubanos estão proibidos de sair do país, de ver televisão estrangeira, de terem dinheiro para comprar o que querem e a própria alimentação é racionada através de senhas. Entre o Iraque e Cuba, a miséria é igual, a riqueza é que difere, apenas por que o Iraque é rico em petróleo e Cuba tem apenas pequenas reservas de petróleo.
As eleições de domingo estão a ser aguardadas com muita expectativa em todo o mundo. Será também uma oportunidade para aprofundar a tese sobre a intervenção dos EUA e da “condenação” das forças internacionais, como a ONU e a União Europeia. Para já, há que reconhecer que sem a queda do regime de Saddam nunca os iraquianos teriam a possibilidade de votar, de terem eleições livres e democráticas. Depois há um outro futuro pela frente que não se constrói de um dia para outro, nem é com um acto eleitoral que tudo fica resolvido.
Temos os casos flagrantes de Angola e Moçambique que, após as primeiras eleições democráticas, estiverem em estúpidas guerras internas que, ao que se diz, causaram mais mortes que durante os dezassete anos de guerra colonial. As eleições do próximo domingo, no Iraque, não vão, de imediato, trazer a paz e o progresso ao país, Quem o contrário pensa está a ser utópico. A guerra interna vai continuar, as facções vão manter-se em oposição durante mais alguns anos, até que os iraquianos, de todas os quadrantes, tomem consciência que acima das querelas, dos credos e das ideologias políticas, está o país, o seu país, o seu povo, a sua Nação.
Que os iraquianos não cheguem ao extremo que se chegou em Angola, em que foi preciso eliminar pela morte o líder da oposição, Jonas Savimbi, para que a guerra acabasse. Um acto cruel mas que, desde então, o processo democrático e de união do povo angolano começasse a ter outro entendimento. O líder da UNITA, a partir de certa altura, talvez quisesse recuar, reconhecer que a sua luta apenas estava a destruir a vida daqueles que o acompanhava, inclusive a de alguns políticos portugueses ligados à descolonização, mas o seu orgulho de guerreiro não lhe dava essa forçar de reconhecer que lutava para nada.
A paz voltou a Angola mas há ainda um longo e penoso caminho a percorrer para que os angolanos possam ter o nível de vida de que há muito carecem. No Iraque desenha-se uma luta por posições muito semelhante à que se passou em Angola. É por isso que os EUA e forças internacionais reconhecem que uma retirada da ONU e de outras entidades que estão no país, podem vir a traduzir-se em graves problemas de soberania. Não se deve abandonar um país quando a mudança de regime está a dar os primeiros passos, como não se pode abandonar um bebé quando começa a dar os primeiros passos.
A paz no Iraque é também a paz para o mundo. Na caminhada para uma primeira paz há que contar que esse desiderato não se alcança com um “click” nem apenas com palavras, cimeiras ou longos dossiês. A paz consegue-se com intervenção directa, com presença no terreno, com participação activa junto das populações. Tudo quanto seja falar à distância, criar imagens de gabinete e gizar planos para isto e para aquilo é chover no molhado. O governo americano não se deixou ficar pelos dossiês de ilustres catedráticos, nem deu ouvidos às forças de bloqueio, mandou avançar as suas tropas, ouve mortes de parte a parte, mas a verdade é que, se assim não fosse, não haveria eleições democráticas no próximo domingo, no Iraque.

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