quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Dignidade e qualidade

No debate do Orçamento do Estado a questionável qualidade dos governantes, a começar pelo primeiro-ministro, e as intervenções dos deputados trouxeram à opinião pública uma má imagem comportamental, de seriedade e falta de dignidade



Segui, com a disponibilidade possível, a semana política no palco parlamentar regional e nacional. Ouvi, registei e meditei, de modo despreocupado sobre os discursos nas Assembleias Regional e da República, a par da sessão extraordinária na Câmara do Funchal que foi adiada para uma próxima data. Tudo espremido não dará para fazer um sumo!
Não ouso qualificar procedimentos, questionar causas ou entrar pelo conceito da qualidade dos deputados. Temos os parlamentares que temos, com gente identificada com as orientações partidárias, cada qual a dar o seu melhor. Porém, temos para nós que a dignidade é muito mais sábia que a qualidade tantas vezes apregoada.
No debate do Orçamento do Estado a questionável qualidade dos governantes, a começar pelo primeiro-ministro, e as intervenções dos deputados trouxeram à opinião pública uma má imagem comportamental, de seriedade e falta de dignidade. Sócrates mal começou a intervir atacou Santana Lopes, sobre o mandato deste quando primeiro-ministro, insistindo no primeiro semestre de 2005 como de desastre governamental, quando Santa Lopes deixara o governo em Dezembro de 2004, depois do presidente da República, Jorge Sampaio, ter mandado dissolver a Assembleia da República.
Quem ouviu José Sócrates insistir que o primeiro trimestre de 2005 foi de relevância zero, apontando Santana Lopes como o grande culpado e não tendo mais informação a esclarecer do que o período em que o governo esteve em gestão, pode ser levado a pensar que Sócrates é um ás na governação do país e que Santana Lopes é um político de terceira categoria.
O mais mirabolante é que ninguém (a comunicação social) quis ouvir Santana Lopes defender-se da ofensiva acusação de José Sócrates. Se no tempo de antena já a disparidade de tempo de intervenção é tudo menos democrática, pior ainda é alguém ser alvo de falsas acusações e não poder, por não lhe ser facultado tempo, defender-se. Se estas disparidades são benesses da democracia então estamos na pior das ditaduras.
Na Assembleia Regional o querer ganhar protagonismo levou um deputado (embora circunstancial) a sair da sua bancada e ameaçar outro deputado. Pelo que vi na televisão, só não se chegou a vias de facto porque houve bom senso. Mas o quadro exposto foi muito desagradável e deixa uma mancha no parlamento. Isto acontece numa altura em que muito se fala da qualidade dos deputados. Melhor cena não podia ter sido projectada no ecrã da televisão e também divulgada nos telejornais, denegrindo a dignidade parlamentar e confirmando, quiçá, a tal falta de qualidade a que preferimos entender como falta de calibre cultural, moral e política para o exercício de tais funções.
Que saudades de um parlamento regional com deputados que apenas usavam a “arma” da oratória para apresentar, debater e esclarecer os pontos de vista partidário. Tribunos que ficaram no pódio do debate parlamentar madeirense e que foram obreiros de uma produção legislativa que deu corpo ao primeiro estatuto administrativo da região, partindo do zero e sem pontos de referência. Hoje, como alguém nos dizia, a maioria dos deputados cumprem mas pouco ou nada criam, discutem e não debatem, gritam e não tentam compreender, acusam e não apresentam alternativas, fazem guerras parvas em vez de lutarem pela paz, ou seja, em defesa do povo anónimo que os elegeu.
Lá como cá, pelo que se vê e se ouve, os parlamentos andam às avessas. Os bons parlamentares são desrespeitados, a monotonia é visível, e não se vislumbra alterações a este estado crónico que, nalguns momentos, roça a mediocridade. Compreende-se que as minorias (partidos da oposição) queiram inquirir os partidos que estão no poder, quer na Região como na República. O papel da oposição, em democracia, é intervir de forma a questionar sobre políticas adoptadas pelo governo, trazer a lume factos concretos e apresentar alternativas. Se o partido que está no poder, com maioria parlamentar sufragada pelos eleitores, não atender às propostas apresentadas pela oposição, cabe a esta dotar-se de tudo quanto esteja ao seu alcance, no domínio do conteúdo e da racionalidade, fazer crer, inclusive à opinião pública, que o partido da maioria bem como o governo que o suporta estão mal. Não é com chalaças do virar da esquina que levamos a maioria a aprovar iniciativas da minoria.
Já em relação à segunda sessão extraordinária da Câmara do Funchal, adiada para breve, os contornos são políticos e têm outras matrizes. A oposição pegou na palavra “negociata” para construir um arranha-céus de tempestades, vendo em tudo quanto mexe na Autarquia um nicho de “negociatas” e de corrupção. A oposição está-se nas tintas com os despachos do tribunal de contas, com o resultado da auditoria feita à Câmara (a pedido da própria Câmara). A cegueira é ver fogo, acender fogueiras e, depois de causar um desgaste evitável, sentar-se na mesa do café a dar gargalhadas do feito ridiculamente provocado.
Volta a falar-se na qualidade dos deputados!? Melhor seria dar atenção à dignidade que é onde reside o “berço” do saber estar e do saber comportar-se. Se a política não anda bem a culpa é dos políticos. Se os parlamentos têm ou não qualidade a culpa é dos deputados. Não há meio-termo. Lamenta-se é que passados mais de três décadas de eleições democráticas ainda se ande a questionar a qualidade dos políticos e dos deputados.

P.S. Chegou-nos agora ao conhecimento uma noticia que é caso inédito na vida democrática em Portugal: “José Sócrates adverte os deputados socialistas eleitos pela Madeira de que a disciplina de voto no orçamento é essencial para a governamentalidade e que partido não brinca com este assunto”.
Para quem conhece os estados comportamentais de José Sócrates sabe bem que profundidade tal ameaça encerra. Ficamos agora expectantes perante a esperada reacção do lider socialista na Madeira. Sabemos que começou por afirmar que os deputados socialistas votariam contra e, mais tarde, face aos comportamentos dos “seus” deputados, mudou o sentido de voto para a abstenção. E agora senhor João Carlos Gouveia, Qual vai ser a sua atitude? Vai acatar a ordem ditatorial do seu lider nacional do partido ou, pelo contrário, vai defender a sua inicial tese de confronto que não leva a lado nenhum?
Qual será a importância que o PS nacional dedica ao PS Madeira?
Situações para reflexão.

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