quinta-feira, 14 de outubro de 2004

Liechtenstein depois da Madeira

Dias antes do jogo de futebol entre Portugal e a Rússia, tinha dito aos meus amigos que o Liechtenstein, com apenas 33 mil habitantes, tinha mostrado que Portugal, o país mais antigo da Europa, com mais de 10 milhões de habitantes, padecia de uma doença chamada melancolia saloia. Porque parece haver uma inexplicável apatia em momentos de nada perder e quando todos, inclusive os nossos adversários, reconhecem que não têm as mínimas hipóteses de nos vencer.
A selecção do pequeno principado, estado soberano, com uma superfície de apenas 160 quilómetros quadrados, afrontou e meteu medo à selecção das quinas. Empatar a duas bolas com o Liechtenstein é resultado neolítico, impensável e impossível, tanto mais quando na época neolítica a bola a existir prestava para tudo menos para jogar futebol. Mas os trinta mil habitantes do Principado puseram os 10 milhões de portugueses em sentido e mostraram ao mundo que o poder não é uma questão de números nem de grandes ou pequenos.
As desculpas que os derrotados arranjam para justificar a incapacidade de vencer tem muito a ver com este Liechtenstein que sem as mesmas armas que Portugal tem, chegou ao final da partida de 90 minutos em posição igual. Falei aos meus amigos que este Liechtenstein está aquém das capacidades que a Madeira dispõe e que teria que “roer muitos ossos” para conseguir roubar-nos um ponto.
Mas a verdade é que o Liechtenstein é um estado soberano, com direito a participar em todos os campeonatos desportivos da Europa e do mundo, tendo lugar cativo nas poltronas do poder europeu e mundial, e não se deixa intimidar nem condicionar pelos mais poderosos.
A comunidade internacional tem as suas regras e o que é para um é para todos. É como na política, as regras são iguais para todos e todos têm ao seu alcance a vitória. Os que perdem só podem ser vistos como menos capazes. Não se pense que os eleitores que votam num determinado partido são diferentes dos outros eleitores, a diferença está naquilo que cada um democraticamente escolhe, de livre e espontânea vontade. A política é um jogo, com regras iguais, vencendo quem melhor sabe interpretar as realidades sociais e mostra capacidade para fazer mais e melhor.
Se o Chipre, Malta, Liechtenstein, entre muitos outros territórios, são estados soberanos, porque razão não pode a Madeira seguir pelo mesmo caminho? O ser português é uma questão meramente circunstancial e a nacionalidade não é uma questão de “nascer assim e assim ter que viver” para toda a vida. Quantos novos países foram fundados a partir de outros estados soberanos. Atente-se ao que se está a passar nos novos países “nascidos” a partir do império soviético e que hoje integram a União Europeia, lado a lado com os países mais ricos e poderosos do velho continente.
Tenho dito que o futebol, inumeráveis vezes, põe uma região ou um país nos píncaros do mundo. Desfaz incertas, cria emoções, faz levantar multidões e dá alimento a um estado de alma indefinível. Quando em casa, sentado no sofá, de olhos postos na televisão, a não querer perder nenhum momento do Portugal-Rússia, deixando-me levar pelas fantásticas jogadas do nosso Cristiano Ronaldo, veio-me à memória a Madeira Região Europeia 2004, limitada a uma Autonomia condicionada à Constituição de Portugal.
Mas a emoção passou a ser mais intensa quando, a poucos minutos do fim, Cristiano Ronaldo cede o seu lugar a um colega, saindo das quatros linhas vibrantemente aplaudido pelos espectadores que prontamente começaram a entoar o nosso famoso “Bailinho da Madeira” que o imortalizado Max levou da ilha para o continente e nunca mais foi olvidado.
Aquele mágico som madeirense a ecoar pelos quatro cantos do estádio de Alvalade, em Lisboa, e a projectar sons perfeitamente audíveis através dos microfones das rádios e das televisões para todo o mundo, deixam qualquer ilhéu, a viver na ilha, a viver uma incomensurável emoção. Cristiano Ronaldo pôs os portugueses presentes num estádio de futebol da capital, todos de pé, a cantar o “Bailhinho da Madeira”. Marcou dois golos, fez as jogadas para outros dois golos e manteve sempre a inteligente humildade que é apanágio do madeirense.
Há coisas que nunca se esquecem e objectivos que nunca os madeirenses vão deixar de prosseguir até que a meta seja alcançada. Sinceramente, gostava de ver um Liechtenstein-Madeira a nível de selecções de futebol. Para ver se eles conseguiriam “roubar-nos” um ponto como fizeram a Portugal. Quero acreditar que a Madeira é bem mais poderosa que o Liechtenstein, em quase tudo!

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