sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Governo PS foge do Referendo

Lançar suspeitas, culpar os do passado pelos fracassos do presente, passar a vida a criticar por criticar, ouvir dos políticos, em geral, repetidos discursos, deixar que a democracia em Portugal não passe da “classe primária”, é tudo isto ignorar os motivos e os valores de um regime democrático



Uma vez mais o governo socialista dá o dito por não dito. Durante a campanha eleitoral José Sócrates garantiu que não abdicaria de consultar os portugueses sobre o Tratado Europeu. Uma vez no poder não cumpre com o que prometeu como tem vindo a acontecer noutras matérias. Leva a ratificação do Tratado para o Parlamento da República, onde a maioria é PS, não permitindo que haja referendo. Uma fuga à consulta popular que só pode ter uma leitura: o receio de perder no referendo e cujo resultado poria a descoberto a impopularidade e a actual maioria. Se a direcção do PS estivesse segura que ganharia o referendo não deixaria de o realizar. A acontecer uma vitória só reforçaria a posição do governo. Em caso de derrota no referendo os reflexos seriam negativos para o PS e para o governo.
É nesta política de oportunismo que vive o PS. Não avança quando devia avançar mesmo quando tem todas as possibilidades de cumprir com os princípios universais da democracia. Faz tábua rasa quando sabe que o resultado pode ser adverso. Um partido e um governo que foge ao eleitorado é um governo medroso, inseguro, que não têm bem a certeza do impacto da sua governação.
A decisão do primeiro-ministro José Sócrates pelo não ao referendo é, em termos globais, anti-democrática. Infelizmente não é a primeira vez que o PS toma os portugueses por parolos. Torna público que tudo está a caminhar bem na governação quando na realidade não é bem assim. Ninguém é contra a tomada de novas medidas sobre qualquer área, por vez é preciso impor a mudança, fazer rotura, para o pais poder avançar, já é muito difícil entender como é que um governo não consegue fazer o país sair dos níveis baixos em que se encontra há vários anos. Até parece que os governantes portugueses são incompetentes e os portugueses uns desqualificados em tudo.
Alguns dizem (e com razão) que a fraca governação do país não deve ser atribuída apenas aos governantes mas também aos eleitores por serem estes a eleger livremente os que vão ocupar os mais altos cargos. O voto é que elege os governantes e, assim sendo, os nossos fracos governantes são eleitos pelos portugueses. Custa-nos a aceitar que os portugueses, passados 33 anos de democracia, ainda não tenham por hábito questionar da importância do voto. Dar um voto é dar a governação e isso acarreta responsabilidades.
Votamos livremente mas em consciência, no conhecimento dos candidatos, naquelas pessoas em quem acreditamos e reconhecemos capacidade. O que se tem verificado nos diferentes actos eleitorais a nível nacional é a ausência de informação sobre em quem votar. Nas eleições nacionais, para o governo da República, vê-se os portugueses a votar nos partidos, por indicação dos dirigentes locais e regionais que bem conhecem, e não nos candidatos aos cargos do governo. A composição do governo do PS é uma “fornalha” de desconhecidos dos portugueses. Se fossem a votos muito dificilmente seriam eleitos. Há que proceder a uma nova “gravação” de mentalidade do voto em democracia.
Um debate aberto sobre a evolução político-partidária do regime democrático em Portugal, desde 1974 até 2007, com toda a crueza e sem tabus, teria toda a oportunidade no momento actual. Aceitar sem medo os fracassos e os triunfos, assumir a má e a boa governação, sem a cegueira da perseguição que tem tolhido muito do raciocínio histórico da democracia portuguesa.
Sem constrangimentos, todas as tendências ideológicas deviam assumir as suas responsabilidades e todos os governos deviam admitir onde, como e porque foram bem sucedidos e onde falharam. Se queremos que o regime democrático funcione em toda a sua plenitude tem de haver frontalidade e transparência para apontar os erros e enaltecer os feitos positivos.
Lançar suspeitas, culpar os do passado pelos fracassos do presente, passar a vida a criticar por criticar, ouvir dos políticos, em geral, repetidos discursos, deixar que a democracia em Portugal não passe da “classe primária”, é tudo isto ignorar os motivos e os valores de um regime democrático.
Não admira que venha à baila, de vez em quando, comentários pouco abonatórios sobre os governos e governantes, sobre os partidos e os políticos. O povo, entre aspas, pode não querer intervir, não querer se aborrecer, mas é errado pensar-se que tudo o que a política e os políticos dizem são bem aceites. A ausência do culto pelos valores da unidade nacional diferenciada, do dever da solidariedade institucional, do sentimento patriótico e do respeito pelos símbolos da Nação, está a criar chagas doentias na sociedade portuguesa porque o regime democrático que temos assim o determina.A fuga do governo PS ao referendo sobre o Tratado Europeu é um mau exemplo que fere um Estado democrático.

(Publicado no Jornal da Madeira em 11.01.2008)

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