quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Pedregulhos

Atente-se às notícias que nos vão chegando através dos meios de comunicação sobre verdadeiras tragédias que ocorrem em países de grande poder económico e técnico, mas “pequenos” quanto á possibilidade de lutarem contra as forças da natureza


Para uma Ilha com as características da Madeira não é surpresa a queda de pedras e pedregulhos resultantes da intrínseca natureza geológica, resultantes ou não de condições climáticas anormais. Caem em todas as estações do ano, quase todos os dias, e infelizmente são muitos os registos de casos fatais ao longo dos anos. O que nos surpreende é haver “entendidos” nestas matérias emanadas da natureza que, sempre que há uma derrocada a causar perda de vidas humanas, põem-se em bicos de pé como se tivessem, por via da fatalidade, alcançado um feito fora do comum.
A queda de pedregulhos na Ribeira dos Socorridos que ceifou a morte a dois trabalhadores deixou-nos em silêncio pesaroso pelo acontecido. Pelas mortes, pelo luto dos familiares, pelos colegas trabalhadores que assistiram impotentes à fatídica hora, pela entidade patronal e pela tormentosa reflexão que todos nós somos chamados a fazer. As pedras estão sempre a cair e quem percorre a ilha, mesmo nos arredores da cidade do Funchal e até nalgumas artérias à entrada da urbe, apercebe-se do eventual “perigo” que mora no alto. É na avenida Francisco Sá Carneiro, é na descida da via rápida para a Ribeira de João Gomes, é na ligação viária situada atrás do Matadouro, é na estrada João Abel de Freitas (aos Viveiros), enfim, são rochas debruçadas sobre quem passa por baixo.
Um colega açoriano dizia-nos, há poucos anos, que os terramotos estão para os Açores como a queda de pedras estão para a Madeira. Isto porque numa visita que fizemos pela ilha, ainda as vias rápidas não existiam, viu pedras no empedrado e no asfalto em grande parte do percurso. Ficou aterrorizado quando passámos por debaixo das rochas entre São Vicente e o Porto Moniz, quando subimos a Encumeada e quando tivemos de percorrer o troço de Ponta Delgada incluindo o pequeno “furado” existente. “Isto é um perigo e quando menos se espera podem cair pedregulhos e lá vamos nós”, repetiu esta frase temerosas diversas vezes. Felizmente nada aconteceu, embora por mais de uma vez tivéssemos de contornar as pedras para podermos seguir em frente.
Qualquer madeirense leigo nestas matérias sabe que o perigo das rochas caírem mora ao lado, Porém, não deixa de passar por estes locais, de construir a sua habitação junto a rochedos (veja-se quantas casas existem na Madeira acima das quais apenas vemos blocos, passa a expressão, de rochas), de habitações junto a precipícios, de hortas em terrenos a cair para o mar! É a mãe natureza que na sua vernaculidade o homem não consegue transformar.
A derrocada de pedregulhos que ocorreu nos Socorridos não teve “mão do homem”. A licença de construção emitida pela Autarquia, os pareceres técnicos oficiais, a inquestionável segurança que a empresa Tâmega impõe rigorosamente em todas as suas áreas de serviço, podem mas não devem ser postas em causa. É demasiada ligeireza querer atribuir responsabilidades a quem não as tem. Pior ainda é assistir-se a um descarado aproveitamento da tragédia e a um triste espectáculo do “empurra” como se houvesse culpados directos do acontecido. Valha-nos, Deus!
Dêem um volta pela ilha, a começar pelos subúrbios do Funchal e vejam onde “mora o perigo”, talvez tão grave ou mais grave que as rochas sobranceiras à Ribeira dos Socorridos. Não defendemos, de modo algum, a negligência e a insensibilidade sempre e quando em causa esteja a segurança. Acontece é que em relação à natureza, à força da natureza, o homem está reduzido a uma minúscula capacidade de intervenção.
Podem ser tomadas todas as medidas e precauções, podem inventar, descobrir e aplicar milhentos meios científicos, podem usar as mais avançadas tecnologias, que a força da “mãe natureza” será sempre mais poderosa.
Estejam as ribeiras limpas, estejam as sargetas todas desentupidas, estejam as rochas presas com meios artificiais, quando a tempestade chega nenhum humano se sente capaz de vencê-la. Atente-se às notícias que nos vão chegando através dos meios de comunicação sobre verdadeiras tragédias que ocorrem em países de grande poder económico e técnico, mas “pequenos” quanto á possibilidade de lutarem contra as forças da natureza. Podemos, isso sim, prevenir, preparar-nos para o pior, fazer tudo quanto esteja ao nosso alcance para tentar evitar males maiores, mas nada garante que, em situações anormais, os pedregulhos não caem e venham a causar mortes, que as ribeiras não transbordem de água das chuvas, que as zonas baixas fiquem entupidas e enlameadas e que haja um desfecho desolador para todos.
É nossa convicção que as entidades públicas (Governo e Autarquias) não descuram a estabilidade das populações e de que empresas como a Tâmega, que bem conhece o solo madeirense, não deixam à margem tudo quanto esteja directa e indirectamente relacionado com a segurança. Os culpados, a haver, serão, quiçá, os que se apressaram a encontrar “culpados” e a atirar “pedregulhos” contra instituições e pessoas, em forma de julgamento em praça pública. A não ser que sejam detentores da tal força da natureza!

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Portugal mais pobre!

O estatuto dos Distritos Autónomos das Ilhas adjacentes, parido pelo Decreto- Lei nº36, a 4 de Agosto de 1947, que vigorou até 1986, era uma mentira, pois nada ou pouco tinha de autonomia.
Abordar questões de Referendo sobre o futuro da Madeira, reconhecer que a Autonomia precisa de mais “autonomia” para que possam ser concretizados outros desideratos, ventilar e debater o federalismo ou a independência, são constatações que não devem ser menosprezadas nem valorizadas ao extremo ou ridicularizadas ignorantemente



Sem a Madeira, Portugal ficaria mais pobre? O mesmo se poderia perguntar: Sem os Açores a nação portuguesa ficaria mais pobre? Porquê e em quê? Que peso tem a Madeira no funcionamento do Estado português? Quanto ganha e quanto perde Portugal ao manter ainda a colonização das ilhas da Madeira e dos Açores?
Sabemos, de antemão, que a fuga é para a frente, escapar para nada dizer, fugir com larachas do costume, zombar à laia do saloio, enfiar o carapuço. Outros, os doutos sábios, recorrem à história, à mãe pátria, aos sustentos e à forte dependência externa. Como se Portugal não fosse um país fortemente dependente das ajudas externas (UE) e dos investimentos estrangeiros no país. Ou já saiu da memória o que era Portugal até 25 de Abril de 1974, com a maior reserva de barras de ouro nos cofres do banco central ao mesmo tempo que era o país mais analfabeto, mais pobre e mais atrasado da Europa, atrás de países onde até o manietado regime comunista vigorava com mãos de ferro.
Portugal antes de começar a receber milhões da Europa (que não há quem saiba dizer os biliões de euros recebidos até hoje de fundos comunitários) era um país quase a viver de “tanga”, de “pata rapada”, sem capacidade orçamental para fazer face às muitas necessidades da sua população.
Foi a União Europeia, com os avultados apoios financeiros, quem “viabilizou” o país e evitou que Portugal caísse na bancarrota. Que seria hoje Portugal fora da União Europeia e fora da zona euro? Como estaria Portugal no presente se a tese dos partidos da esquerda (PCP e satélites) vingasse contra a adesão à CEE/UE? Devíamos questionar sobre estes e outros factos que mudaram o “rosto” do país nas últimas três décadas.
Quer queiramos quer não, a Madeira e os Açores são os únicos territórios insulares no Atlântico, fora da plataforma continental, que continuam sob a bandeira das quinas, depois de Portugal ter perdido ou ter descolonizado ( da pior maneira) os territórios ultramarinos em África e posteriormente Timor Leste.
Será que é ofensa ou haverá falta de legitimidade questionar seriamente: A Madeira e os Açores ficariam mais pobres se deixassem de ser territórios portugueses ou se passassem a ter uma autêntica Autonomia sem estarem subordinados às conveniências políticas de quem for Governo em Lisboa? Há algum ou alguns indicadores actuais (ou antigos), com rigor e abrangendo todas as componentes interno- externo, que forneçam sérias conclusões. Não há. Ou talvez haja, pelo menos foram feitas consultas nesse sentido cujos dados terão sido posteriormente comparados com territórios europeus e mundiais com dimensões globais muito idênticas às da Madeira e às dos Açores. As conclusões não terão sido tão decepcionantes como se possa pensar.
Disparate é não admitir que foi a CEE/UE quem tirou Portugal da pobreza em que se encontrava e que a Madeira passou a ser uma região de sucesso na Europa, com o crescimento e desenvolvimento incomparavelmente superior ao que era até 1974, porque soube aproveitar muito bem os fundos comunitários. O estatuto dos Distritos Autónomos das Ilhas adjacentes, parido pelo Decreto- Lei nº36, a 4 de Agosto de 1947, que vigorou até 1986, era uma mentira, pois nada ou pouco tinha de autonomia.
Abordar questões de Referendo sobre o futuro da Madeira, reconhecer que a Autonomia precisa de mais “autonomia” para que possam ser concretizados outros desideratos, ventilar e debater o federalismo ou a independência, são constatações que não devem ser menosprezadas nem valorizadas ao extremo ou ridicularizadas ignorantemente. O agora presidente da República, Professor Cavaco Silva, que quando em funções de Primeiro- Ministro questionou “porque razão os madeirenses precisam de mais estradas?”, deixou entender, agora, em Ponta Delgada, capital açoriana, que os Açores e a Madeira já têm Autonomia suficiente. O Chefe de Estado nasceu no Algarve, sempre viveu no Continente, vive há muitos anos em Lisboa, tem tudo à mão, nunca teve a experiência de viver numa ilha durante anos nem tem o sentimento do ilhéu. Não sabe o que é estar distante, separado pelo mar. O Prof. Cavaco Silva fala teoricamente da autonomia mas nunca a viveu nem sabe como, na prática, ela funciona.
Estas e outras abordagens são reais, ao menos pelo que sabemos e conhecemos. Sem recurso a apaixonadas extrapolações ou doentias disputadas sobre questões menores. Não deve haver medo em abordar e até de confrontar realidades e possibilidades. É errado fazer juízos de valor sobre aquilo que não existe e deve ser salutar debater com seriedade tudo quanto seja possível equacionar.
Uma sondagem realizada no Continente deu a conhecer que são muitos os portugueses do rectângulo a defender a integração de Portugal na Espanha. As razões apresentadas são de vária ordem, sendo as mais apontadas as respeitantes à qualidade de vida dos espanhóis, superior à dos portugueses, aos melhores salários e ao crescimento económico. O Nobel da literatura (1998), José Saramago, a viver na ilha de Lanzarote, foi uma das vozes a defender a integração de Portugal na Espanha.
São opiniões e como tal não devem ser ignoradas mas antes devem servir para aprofundar e estudar as razões das questões que são suscitadas. Discordar é salutar. Talvez um dos males seja a falta de paciência, o comodismo que “ataca” os portugueses, sobretudo os ilhéus. Sentados à espera que decidem por nós, já lá foi o tempo. A história narra-nos muitos coisas amargas no relacionamento entre o poder central, em Lisboa, e as instituições públicas na Madeira e nos Açores.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Mentira e independência

Antes de se atirarem pedras, a torto e a direito, sobre a opinião de Gabriel Drumond, quando traz para a praça pública a questão da “independência da Madeira” , deviam procurar saber as diferentes etapas que os madeirenses enfrentaram ao longo dos séculos, da pequenez e da escravidão, da fome e da miséria, das ditaduras da Monarquia e da República, das revoltas contra as imposições coloniais dos governos da então designada metrópole e que hoje ainda se manifestam


“O primeiro-ministro mentiu”, disseram deputados no Parlamento da República referindo-se ao chefe do governo, José Sócrates. Disseram no hemiciclo onde estão os representantes do povo, dos eleitores. Disseram os deputados da esquerda, do BE e do PC. É grave tal afirmação ou haverá leviandade na liberdade de expressão?
Seja em que situação se enquadre o “mentir” do senhor primeiro-ministro será sempre alvo de reflexões e interrogações, particularmente para quem tem uma visão imaculada dos governantes e muito em especial para com aqueles que estão na chefia da governação do país. Chamar a um governante de “mentiroso” é fazer desmoronar o conceito de honestidade e de seriedade. Seria impensável aceitar que tal seja verdade! Mas a repetição de “mentir” ocorre por diversas vezes, em diferentes situações e por personagens com responsabilidades que nem era preciso ser lembrado pelos deputados na Assembleia da Republica, por ser já do conhecimento geral.
“O primeiro-ministro mentiu” e mente e isso é sumamente grave para o país mas tal atitude é branqueada por toda a comunicação “sucial”.
Em contrapartida abordar o tema “independência da Madeira” já é um atrevimento sem cabimento como refere a mesma comunicação social.
O sentimento de independência nasce com o homem. O ser livre é ter autonomia dos seus próprios destinos. Não há país que não surgisse de lutas pela independência e aquele que não busca tal pretensão vive escravizado pelo que os seus antecessores fizeram e os actuais governantes impõem. A independência não se pode simplesmente colocar na balança do ser a favor ou contra.
Antes de se atirarem pedras, a torto e a direito, sobre a opinião de Gabriel Drumond, quando traz para a praça pública a questão da “independência da Madeira” , deviam procurar saber as diferentes etapas que os madeirenses enfrentaram ao longo dos séculos, da pequenez e da escravidão, da fome e da miséria, das ditaduras da Monarquia e da República, das revoltas contra as imposições coloniais dos governos da então designada metrópole e que hoje ainda se manifestam.
A “independência da Madeira” tem causas e causadores. Ninguém quer se ver livre daquilo que está ou funciona bem, em plano de igualdade, com lisura e solidariedade. O comportamento do actual governo socialista em relação à Madeira é de ingratidão e de perseguição. Ingratidão por não reconhecer que a Madeira conseguiu desenvolver-se mais em três décadas do que em mais de cinco séculos, graças ao querer e saber dos madeirenses. Perseguição porque o primeiro-ministro José Sócrates vê no presidente do Governo Regional, Alberto João Jardim, um inimigo a abater.
Quando um governo da República não quer reconhecer que o desenvolvimento de uma região só traz benefícios para o país, é ver-se Portugal a crescer no Atlântico, outra coisa não podemos concluir que não seja revolta pelo facto da Madeira ter evoluído, com as mesmas e menos verbas, que outras regiões do Continente.
Têm os portugueses mais razões para estarem preocupados com o “mentir” do primeiro-ministro que com a “independência” da Madeira. Os factos é que determinam e acabam por justificar as questões e pretensões. Um Referendo sobre a “independência” da Madeira poderia dar um resultado interessante e que talvez fosse útil para os governos da República e para os portugueses do Continente e dos Açores. Chipre, Malta, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, entre outros pequenos países na Europa e no Mundo, fornecem dados a serem consultados para os menos atentos.
Por fim, gostaríamos de deixar esta observação: não é propriamente verdade que a Madeira se tenha desenvolvido à custa das transferências financeiras do Orçamento do Estado, dos dinheiros de todos os contribuintes portugueses. Em absoluto, ninguém sabe dizer em quanto contribuiu a Madeira para os cofres da República e quanto dos governos centrais veio para os cofres da Madeira. Em concreto o que se sabe é que as transferência do orçamento do Estado representam cerca de 13% do orçamento da Região e mesmo assim não se trata de uma dádiva ou esmola mas sim de acerto de contas relativas a cobrança de impostos no continente sobre bens consumiveis na Região.
Esta Madeira que hoje prospera e que é citada como exemplo de desenvolvimento na Europa comunitária deve-se financeiramente muito aos apoios europeus, às verbas dos fundos comunitários que o Governo Regional soube muito bem aproveitar e melhor ainda investir, tirando a ilha do atraso e pobreza em que se encontrava. Foram os fundos comunitários que permitiram o Governo Regional pôr a Madeira no patamar que hoje ostenta.
Não vemos o porquê de haver quem tenha menos pudor pelas “mentiras” do primeiro-ministro do que pela opinião, livre, responsável e democrática, de um cidadão madeirense, deputado no Parlamento da Região.
Ou andam distraídos ou têm sangue de escravos.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Dignidade e qualidade

No debate do Orçamento do Estado a questionável qualidade dos governantes, a começar pelo primeiro-ministro, e as intervenções dos deputados trouxeram à opinião pública uma má imagem comportamental, de seriedade e falta de dignidade



Segui, com a disponibilidade possível, a semana política no palco parlamentar regional e nacional. Ouvi, registei e meditei, de modo despreocupado sobre os discursos nas Assembleias Regional e da República, a par da sessão extraordinária na Câmara do Funchal que foi adiada para uma próxima data. Tudo espremido não dará para fazer um sumo!
Não ouso qualificar procedimentos, questionar causas ou entrar pelo conceito da qualidade dos deputados. Temos os parlamentares que temos, com gente identificada com as orientações partidárias, cada qual a dar o seu melhor. Porém, temos para nós que a dignidade é muito mais sábia que a qualidade tantas vezes apregoada.
No debate do Orçamento do Estado a questionável qualidade dos governantes, a começar pelo primeiro-ministro, e as intervenções dos deputados trouxeram à opinião pública uma má imagem comportamental, de seriedade e falta de dignidade. Sócrates mal começou a intervir atacou Santana Lopes, sobre o mandato deste quando primeiro-ministro, insistindo no primeiro semestre de 2005 como de desastre governamental, quando Santa Lopes deixara o governo em Dezembro de 2004, depois do presidente da República, Jorge Sampaio, ter mandado dissolver a Assembleia da República.
Quem ouviu José Sócrates insistir que o primeiro trimestre de 2005 foi de relevância zero, apontando Santana Lopes como o grande culpado e não tendo mais informação a esclarecer do que o período em que o governo esteve em gestão, pode ser levado a pensar que Sócrates é um ás na governação do país e que Santana Lopes é um político de terceira categoria.
O mais mirabolante é que ninguém (a comunicação social) quis ouvir Santana Lopes defender-se da ofensiva acusação de José Sócrates. Se no tempo de antena já a disparidade de tempo de intervenção é tudo menos democrática, pior ainda é alguém ser alvo de falsas acusações e não poder, por não lhe ser facultado tempo, defender-se. Se estas disparidades são benesses da democracia então estamos na pior das ditaduras.
Na Assembleia Regional o querer ganhar protagonismo levou um deputado (embora circunstancial) a sair da sua bancada e ameaçar outro deputado. Pelo que vi na televisão, só não se chegou a vias de facto porque houve bom senso. Mas o quadro exposto foi muito desagradável e deixa uma mancha no parlamento. Isto acontece numa altura em que muito se fala da qualidade dos deputados. Melhor cena não podia ter sido projectada no ecrã da televisão e também divulgada nos telejornais, denegrindo a dignidade parlamentar e confirmando, quiçá, a tal falta de qualidade a que preferimos entender como falta de calibre cultural, moral e política para o exercício de tais funções.
Que saudades de um parlamento regional com deputados que apenas usavam a “arma” da oratória para apresentar, debater e esclarecer os pontos de vista partidário. Tribunos que ficaram no pódio do debate parlamentar madeirense e que foram obreiros de uma produção legislativa que deu corpo ao primeiro estatuto administrativo da região, partindo do zero e sem pontos de referência. Hoje, como alguém nos dizia, a maioria dos deputados cumprem mas pouco ou nada criam, discutem e não debatem, gritam e não tentam compreender, acusam e não apresentam alternativas, fazem guerras parvas em vez de lutarem pela paz, ou seja, em defesa do povo anónimo que os elegeu.
Lá como cá, pelo que se vê e se ouve, os parlamentos andam às avessas. Os bons parlamentares são desrespeitados, a monotonia é visível, e não se vislumbra alterações a este estado crónico que, nalguns momentos, roça a mediocridade. Compreende-se que as minorias (partidos da oposição) queiram inquirir os partidos que estão no poder, quer na Região como na República. O papel da oposição, em democracia, é intervir de forma a questionar sobre políticas adoptadas pelo governo, trazer a lume factos concretos e apresentar alternativas. Se o partido que está no poder, com maioria parlamentar sufragada pelos eleitores, não atender às propostas apresentadas pela oposição, cabe a esta dotar-se de tudo quanto esteja ao seu alcance, no domínio do conteúdo e da racionalidade, fazer crer, inclusive à opinião pública, que o partido da maioria bem como o governo que o suporta estão mal. Não é com chalaças do virar da esquina que levamos a maioria a aprovar iniciativas da minoria.
Já em relação à segunda sessão extraordinária da Câmara do Funchal, adiada para breve, os contornos são políticos e têm outras matrizes. A oposição pegou na palavra “negociata” para construir um arranha-céus de tempestades, vendo em tudo quanto mexe na Autarquia um nicho de “negociatas” e de corrupção. A oposição está-se nas tintas com os despachos do tribunal de contas, com o resultado da auditoria feita à Câmara (a pedido da própria Câmara). A cegueira é ver fogo, acender fogueiras e, depois de causar um desgaste evitável, sentar-se na mesa do café a dar gargalhadas do feito ridiculamente provocado.
Volta a falar-se na qualidade dos deputados!? Melhor seria dar atenção à dignidade que é onde reside o “berço” do saber estar e do saber comportar-se. Se a política não anda bem a culpa é dos políticos. Se os parlamentos têm ou não qualidade a culpa é dos deputados. Não há meio-termo. Lamenta-se é que passados mais de três décadas de eleições democráticas ainda se ande a questionar a qualidade dos políticos e dos deputados.

P.S. Chegou-nos agora ao conhecimento uma noticia que é caso inédito na vida democrática em Portugal: “José Sócrates adverte os deputados socialistas eleitos pela Madeira de que a disciplina de voto no orçamento é essencial para a governamentalidade e que partido não brinca com este assunto”.
Para quem conhece os estados comportamentais de José Sócrates sabe bem que profundidade tal ameaça encerra. Ficamos agora expectantes perante a esperada reacção do lider socialista na Madeira. Sabemos que começou por afirmar que os deputados socialistas votariam contra e, mais tarde, face aos comportamentos dos “seus” deputados, mudou o sentido de voto para a abstenção. E agora senhor João Carlos Gouveia, Qual vai ser a sua atitude? Vai acatar a ordem ditatorial do seu lider nacional do partido ou, pelo contrário, vai defender a sua inicial tese de confronto que não leva a lado nenhum?
Qual será a importância que o PS nacional dedica ao PS Madeira?
Situações para reflexão.